sábado, 26 de fevereiro de 2011

Exigências do mundo versus falsos desejos...

Eu caminhava dentro de um tunel de estacionamento, daqueles em caracol ( lugares que abomino e ninguém me pergunte porque) em sentido contrário ao que aparentemente seria uma saída, mas não havia uma. Eu andava a pé e na contramão a procura do carro , que obviamente é apenas uma alegoria. Andava entre os faróis dos carros irritados . Subia exausta aquela rampa, feita para muito torque e carregava comigo a certeza de que não chegaria a lugar algum....Embora houvesse um elevador eu não sei porque optei por subir exausta aquela escalada.

É impressionante como, quando temos um problema aparentemente insolúvel, o subconsciente envia de volta na forma alegórica ou nem tanto aquela velha e conhecida sensação de impotência. O que fazer quando o problema está em nosso próprio jeito de ser?

Segundo uma pesquisa  citada  pela psicanalista  Diana Corso "a chave do sucesso está no número elevado de horas de dedicação para um objetivo, mas nestas conta muito a experiência de errar sucessivas vezes e buscar novos caminhos"
Partindo da concepção mais básica de sucesso, ou seja, êxito , eu, automaticamente, fui olhar no meu baú e acabei me enquadrando no tipo que não dedica muito tempo a obter suas metas e costuma chutar o  balde diante de alguns obstáculos.
Sempre temi e invejei os obstinados. Aquelas pessoas que , invariavelmente, obtém tudo o que querem( e que depende unicamente de seu empenho). Sim, ter foco é importante, mas tornar-se escravo de uma meta é patológico(minha desculpa favorita). Descobri que não estou em nenhuma das situações. Meu foco é movido pelo meu interesse e este só ocorre se o meu desejo ou querer for vinculado a uma emoção positiva. Se for uma escolha racional pode esquecer. Preciso aperfeiçoar meu cinismo.
Eu geralmente ando com as mãos cheias de coisas para realizar simultaneamente a fim de acabar logo com todas e poder me dedicar apenas ao novo, ao aleatório ou melhor, ao que der na telha. Não conheço bem esta tal de perseverança e por vezes me acredito uma extraterrestre em meu corpo. Como uma criança que abandona um brinquedo após descobrir outro mais interessante e assim, sucessivamente ,  descobrindo um mundo novo e surpreendente. Ah sim lembrei do Peter Pan, do último Toy Story e de "Onde vivem os monstros"
Meço esta 'deficiência' ao perceber que não costumo  me vincular a nada por muito tempo, nem mesmo  realizar tarefas contínuas ou repetidas. Gosto de coisas que pode-se realizar de qualquer jeito ou de vários modos.
Depois de achar alguns indícios ou pistas que me levam ao meu fabuloso mundo de Alice, lembrei do post que escrevi sobre ser Dulce Veiga e ao ler uma crônica de Contardo Caligaris encontrei  um certo eco quando ele afirma "quem foge das exigências do mundo está quase sempre fugindo das exigências que seu próprio desejo lhe coloca."
Fui defenestrada mais uma vez para fora de mim, ou seja, meu feitiço virou contra a feiticeira.
Idealizando feitiços complexos a fim de que a feiticeira acabe dando mesmo um tiro no pé.

quarta-feira, 23 de fevereiro de 2011

Visitando o tempo..

No último sábado aconteceu um encontro com a minha turma do curso de nutrição e dietética , do ensino de segundo grau cuja formatura foi em 1981. Parecia que havia passado muito tempo, mas de repente estavamos nós vivendo a sintonia do colegial. Éramos todos  adolescentes querendo contar suas histórias com aquela impaciência e naquela gritaria.
O filme da memória rodando na minha frente  recordava nossas batalhas ingênuas por pequenas conquistas e a solidariedade que sempre despontava de algum lugar( a crueldade também). Acredito que a escola é um pequeno laboratório , uma espécie de ensaio para a vida adulta no qual aprendemos algumas regras que perduram por toda vida.  Enxerguei a disposiçao dos lugares na sala e percebi que tudo parecia tão grande naquela época. O mundo parecia grande demais e nos situávamos em algum lugar a salvo de tudo. 
O tempo rolou tão rápido que ficou a sensação imediata de saudade.Infelizmente o restaurante teve que fechar e precisamos retornar para nossas vidas depois de repetidas saideiras,mas o encontro foi um movimento reconfortante demais.
Em um determinado momento tive a certeza de que muito pouco passou desde então e aquela que eu pensava ser uma memória  feliz estava ali sentada dentro de mim. Muitas fotos, risadas e abraços, saímos todos inflados por dentro, cheios daquelas aspirações saborosas.
Eu reencontrei alguns sonhos adormecidos e outro temores esquecidos, mas estava ali, inteira.
Apresentamos nossas novas engenharias e criações, seus resultados positivos e negativos, mas estavamos estampados com nossa velha e mágica expressão de cumplicidade.
Lembramos professores, episódios hilários e nos comprometemos a repetir aquele A intersecção B, entre passado e presente. Estavamos lá ilhados como náufragos entre os tempos.

quinta-feira, 10 de fevereiro de 2011

A saga de Jung: parodiando o cavaleiro inexistente

O lugar era um enorme saguão que dava impressão de não ter uma dimensão aferível. Como se um diretor de cinema desejasse colocar o indivíduo em perspectiva diante da imensidão do mundo(A VIDA). Havia alguns bancos dispostos em filas voltados para diferentes guichês(AS OPÇÕES). A maioria dos guichês vazios, se nao fossem todos . O prédio era uma construção inacabada ou pelo menos parecia(VIAGEM-ESCOLHAS). Pecava em todos os detalhes. As paredes estavam em concreto , embora escovado e o pé direito levava talvez ao céu. O piso estava inacabado e até lembrava um pouco uma ruína. Tudo era de um cinza concreto e havia uma espécie de nebulosidade dominando a atmosfera, não havia iluminação.
Havia um recepcionista que distribuia as fichas de atendimento, era um rapaz com síndrome de down que era a única coisa alegre visível a olho nu(ILUSÃO).
Bem, o que ela estava fazendo ali com uma ficha,  como quem espera atendimento em uma agência bancária , fingindo estar confortável e ensaiando uma saída. Esperava a oportunidade de deixar de existir. Sim ,deixar de existir, como o cavaleiro inexistente , personagem e título da obra de Ítalo Calvino. Um cavaleiro intenso  e em efervescência que de fato não existia .
Ela aguardava o momento de deixar de existir  por um período, talvez uma espécie de sumir de cena por uns tempos, um deixe-me em paz , um live me alone. Esta é a interpretação mais próxima do que é lógico que se pode alcançar na interpretação de um Kurosawa moment. Por outro lado mais egóico poderia ser um aviso do tipo e agora mundo? Como vai sobreviver sem mim? Eu estou caindo fora!
Enquanto aguardava começou a analisar a questão da inexistência, do sumiço e tomou-se de uma inquietude profunda. Como se comunicaria com o mundo se não mais existisse. Começou a imaginar que se aceitasse desconectar-se do mundo concreto, tornando-se um espectro intenso e vivo mas  invisível, não teria como manifestar-se. Seria intocável. Estaria de fato morta? Pensou que poderia escrever um bilhete avisando que desejava voltar a existir, mas alguém que não existe pode escrever um bilhete? Morto não fala.
A proposta da Ilha da fantasia de concreto com seu Tatoo alegre começou a desmoronar revelando seus contornos de  armadilha. Um teste.
As pequenas incursões naquele delírio geraram agora uma sensação de pânico, sentiu que estava perdendo certezas e que um não existir poderia ser de uma tristeza desoladora, lembrou do cavaleiro de Carlos Magno que na ficção de Calvino criou uma disciplina espartana e incômoda   na ânsia débil de obter um fio de existência. Era aquele momento no qual se captura um uivo silencioso e perene cortando a noite.Viver é tudo. Precisava viver , existir !
Sentiu uma fisgada na planta do pé acompanhada por um zumbido incômodo e ainda entorpecida pela voz do recepcionista sorridente 'acordou'.


****obs.: lendo as intermitências da morte antes de dormir-José Saramago.