domingo, 30 de janeiro de 2011

A natureza de um melão..

Uma das frutas do verão que mais gosto é o melão, aquele chamado 'casca de carvalho'. Sábado na feira eu escolhi demoradamente um melão. Senti seu cheiro, experimentei o toque e a textura e ainda ouvi calmamente a explicação do vendedor na banca de frutas-que para minha sorte era também agricultor. Há uma diferença muito grande entre conversar com quem simplesmente vende e ouvir aquele que cultiva. Quem trabalha diretamente com a terra é munido de um conhecimento tão simples e essencial quanto a vida. Quem trabalha com a terra identifica facilmente a natureza que é pré-existente a cada um de nós(seres vivos) e desenvolve uma capacidade de traduzir isto-ainda que nem saiba- para a simples  carnosidade e doçura de um melão. Falando do aroma , tempo de colheita e até mesmo a aparência da casca de carvalho com sua textura porosa  e resistente, o homem simples filosofou sobre a experiência da vida em seu grande laboratório que é a terra 
Hoje quando  preparava o melão me detive observando a beleza desta fruta, da perfeição de sua estética contrastando o interior  róseo alaranjado vibrante e o bege terra da casca. Maciez e aspereza harmônicas lado a lado.
Cortei a fruta em gomos  ao comprido e observei a perfeição dos filamentos de sementes alinhadas ligadas por fibras enfeixadas que guardavam o melhor sumo. Ali estava apenas um pequeno momento de expressão da vida e tão perfeito, predestinado à luxúria. 
Não pude deixar de pensar na forma como a natureza através de toda a criação se repete exuberante. Um melão se desenvolve para chegar a sua doçura e delícia e esbanjar-se ao ser saboreado. Respeite-se todos os microorganismos e insetos que compartilharam sua trilha até que ele chegasse ao seu destino. Não pude deixar de comparar este caminho com o meu e na minha incapacidade de me comportar como um melão.
Não há  razão para não obedecer ao instinto primordial de seguir a linha da exuberância e perfeição como um  fractal que se reproduz à imagem e semelhança do que é divino.Alguém inventou e eu sequestrei a palavra imperfeição para subverter-lhe o sentido e criar a frustração.
A frustração está em não perceber que a imperfeição faz parte de toda a beleza que o mundo exorta.Não é preciso escrever um compêndio sobre plenitude -as mil e uma razões- para entender que tudo segue seu fluxo sem maiores explicações e está predestinado a dar certo, livre de avaliações, preceitos e parâmetros. Esses parâmetros que habitam nosso sistema de crenças e valores e acabam nos tornando infelizes ou bloqueando nosso fluxo natural- como o de um melão.

¨¨¨¨¨¨Ao falar em fluxo natural, não posso deixar de trazer um outro fato que ilustrou brilhantemente esta questão, fazendo uma imagem muito didática sobre o que muitas vezes fazemos com nossas vidas sem perceber.
Há tempos eu estava com uma série de pequenos consertos para realizar em casa. Chamei um senhor que costuma realizar estes serviços. Entre eles estava uma torneira cujo fluxo d'água estava muito fraco, mas não parecia trazer maiores incômodos até o momento em que foi desentupida.
Um entupimento não acontece de repente. Geralmente vai obstruindo gradativamente de forma que não é
perceptível por um longo tempo. Um certo dia começa a ficar irritante, mas assim mesmo não damos muita atenção.
Ao desbloquer a passagem da água o fluxo tornou-se magestoso, forte e irresistível. Trouxe essa imagem para vida. Os bloqueios vão acontecendo aos poucos, como o da minha torneira, mas não são diagnosticados porque são muito graduais . Vão se incorporando a nossa vida de forma natural como se fosse  para ser assim. Por alguns momentos causam aquela sensação de sufocamento,de estrangulamento,  mas logo nos atemos a outra coisa e passamos mais uma eternidade acomodados com um pequeno fio de vazão ao invés de um fluxo exuberante, de uma torrente. Começamos a ter medo da vida, como se ela fosse uma enchente ou uma catástrofe. A obstrução vai se tornando maior até cessar o fluir.
 Estagnação é algo perigoso e sorrateiro , é a cessação do nosso manancial, que não se renova, não se dirige.Perdemos a fruição.
O conserto da minha torneira me rendeu linhas e letras .
É preciso arrumar a casa e cavar uma crise que limpe a área. Que abram-se as torneiras...
beijo lindo
vazado
da lind@

terça-feira, 25 de janeiro de 2011

O alarme disparou?

Tem dias em que aquela sensação de redemoinho parece que sempre esteve ali, como se nunca houvesse acontecido um instante de serenidade e equilíbrio. É incrível como a mente consegue manipular os pensamentos de forma a parecer que um momento infernal é completamente natural.
Pois é, hoje eu começei o dia abrindo a agenda e colocando algumas balizas para não deixar o dia escorregar para dentro de mim centrípeto e implacável.
Tudo começa com um sonho absolutamente estranho, mas cheio de mensagens subliminares nada subliminares. Aliás começa antes, com um alarme disparando no meio da madrugada, um dentro de mim e o outro na minha casa. Após uma descarga de adrenalina dessas, qualquer senso de realidade fica comprometido, uma fuga real para lugar algum. Não há para onde ir quando se está acossado. Pensa-se 'será que é real?' ,  'tem alguém arrombando minha casa?', 'pode ser um bicho', ' o que eu faço'. Neste momento se tem a certeza de que não há nada a fazer. Ligar para algum lugar (polícia ou emergência) não vai trazer qualquer resposta imediata(não na terra brasilis). Ligar para um amigo só vai enlouquecer o coitado. Fiquei lá deixando o negócio gritando até a equipe de monitoramento ligar. Não ligou. E daí?
Bom, daí eu só poderia reclamar no dia seguinte se não fosse um assalto e eu estivesse viva para tanto.
Resolvi respirar só um pouquinho para não sufocar de medo e andar pela casa a procura da razão de ter disparado o sensor.Nada. Fui até a garagem com as pernas parecendo molas, abri e nada. Desativei o sistema e ativei novamente. Me senti assistindo um filme de suspense no qual eu xingo a heroína que sai a procura do perigo.
Guardei algumas palavras nada doces para dizer ao rapaz da equipe de monitoramento. Fiquei valente de repente.
Ah sim, ele explicou que quando estava telefonando para minha casa eu desativei o sistema. Isto é muito reconfortante. A explicação é que a equipe se desloca para o local após cinco minutos de ter disparado o sistema. Isto significa dizer que o tempo em que fiquei embasbacada inerte esperando algo em torno de 'jogos mortais'  e que pareceu uma eternidade não chegou a ser de cinco minutos.
E então a boa notícia é que não há para onde correr e nem o que fazer.
Lógico que dormir novamente é uma passagem para viajar pelos pesadelos, no mínimo.
Meu alarme interior não quer parar de tocar.
Fiquei um zumbi andando pelo dia como se fosse uma passarela que eu tivesse que transpor para chegar a algum lugar, quem sabe . Peguei a agenda e programei algumas coisas práticas com o único escopo de distrair a minha mente e assim fazê-la pensar  que não havia motivos para pânico. Parece que ela acreditou.
Nada mais carregado do que saber que precisa tomar todas as decisões a respeito de sua vida, inclusive aquelas nas quais não está nem um pouco interessada.
Ontem eu li uma crônica, acho que era da Maria Rita Kehl (psicanalista), mas não tenho certeza. Ela trazia os dois caminhos que normalmente as pessoas percorrem, ou optam, nem sempre conscientemente. O primeiro , o mais comum, mas nem sempre o mais fácil, é colocar a sua felicidade na mão do outro(entenda-se o outro lato sensu-o mundo) e responsabilizá-lo por todas as frustrações e dissabores que se achegam na sua vida. O outro passa a ser aquela parcela de soberania da qual se abre mão voluntariamente. O segundo caminho a seguir é tomar para si toda a responsabilidaade por seus atos e aí admitir que se está sozinho, não há ninguém do outro lado da sua vida que possa de fato servir de amparo ou apoio para suas escolhas(demitindo deus).
A questão é que depois que esta verdade se torna presente e os caminhos ficam claros não dá para voltar atrás. O mundo não está conspirando em favor de seu ego narciso. Não dá mais para juntar as mãozinhas e rezar ou acreditar naquele amor sem reservas que habitava  o meu universo imaginário. A carrocinha da Cinderela não vai passar e o que existe é a mais didática realidade. Não chega a ser devastador, é até divertido testar o mundo sabendo-se quem está no controle.
Mas que no fundo ainda existe uma princesa na torre esperando ser salva , ah existe, o problema é saber o que fazer com ela, com a imprevisibilidade latente dentro dos acontecimentos, com o quinhão de magia dentro da cartola  e que sempre se espera que traga um final 'feliz'.

beijo disparado
da lind@

Corta!

Ao final da tarde estava aturdida conversando com algumas frases que havia lido e que ficaram discutindo com ela. A dialética se liquefazia em alguma parte postiça de seu corpo, apenas ligada a ele por fios tênues , impulsos eléttricos, sopros energéticos como se fosse uma outra caminhando lado a lado , uma desconhecida falando de um mundo atraente e instigante .Não achava uma vaga no estacionamento do supermercado.
Ir ao supermercado era sempre um mal necessário e colocava em ação a habitante autômata que sempre sorria ao cumprimentar o guarda e esperava educadamente a vez. Mantinha um ar complacente e reservava sempre algumas frases acetinadas para o momento de escolher maçãs ou pesar os ítens.
Previsivelmente jamais entraria na fila dos idosos e deficientes e cumprimentaria o caixa ao chegar e ao partir.
Aquela era a personagem mais desonesta e repugnante, a educada. Talvez um dia ela desejasse praguejar contra todos os supermercados e seus clientes abotoados e rosnar, transgredir, expurgar definitivamente o sorriso de sua face, como se enfiasse os dedos na massa de modelar . Dividir com o mundo a sua chateação,  estacionar em local proibido, atrasar-se para um compromisso. Quem sabe não atender o telefone ou não ligar de volta, fingir que não percebeu ou ainda deixar atrasar uma conta.
Sabia que não conseguiria transgredir, chorar em público , jogar as compras no chão ou deixar de cumprir imediatamente o que havia proposto anteriormente com alguém.
Ela simplesmente não conseguia arrancar de dentro dela aquela disciplina espartana da razão.
Sempre agiria como um ser equilibrado por mais enlouquecida que estivesse, as palavras gritavam de dentro dela enquanto testava uma lâmpada com um ar plácido estendido sobre o rosto e imaginava aquela lâmpada totalmente estilhaçada e o sangue escorrendo de suas mãos, mas não, nunca seria a personagem ensandecida. Não ergueria a voz e muito menos pareceria descontrolada. O descontrole não é educado. Ela tinha classe e jamais denotaria qualquer mesquinhez. O mundo simplesmente não poderia tocá-la ou ela não alcançava o mundo como é.
Não correria riscos e não sentiria dor, não . Não há tempo a perder com sentires desnecessários. Que sentires são desnecessários? Que pergunta mais obtusa! Um sentimento é sempre um sentimento. É uma parcela da nossa identidade a ser metabolizada . Que virtude existe na simulação condolente da hipocrisia.
Que  opção errada fora assinalada a ponto de desviar-se a ferir as regras da lógica.
As maçãs estavam horríveis e o calor parecia diferente a ponto de não sentí-lo. Esqueceu a bolsa de compras, teria que usar sacolas plásticas. Uma contrariedade .
A moça do caixa parecia animada e tecia laçadas com as palavras . Um aparelho ortodôntico lhe cobria o sorriso. Combinava com outra funcionária com sotaque do norte para irem a um show à noite. Devia ser um show de pagode. De repente ela sentiu pena da espontaneidade com que as duas conversavam . Sem subterfúgios, vergonhas ou pudores do inapropriado. Pareciam à vontade expondo seus conteúdos simples. Estavam desarmadas.
Sentiu uma estranha gratidão por aquela paródia burlesca da vida. Não achou um melão decente. 
Mergulhou naquele flagrante como se fosse uma deixa para sair de cena.
- Corta!

domingo, 23 de janeiro de 2011

quarta-feira, 19 de janeiro de 2011

Novos sabores...me devorando ...

Uma das forças propulsoras de minha existência é minha boca, ou o que entra e sai dela. Tenho esta mania de macerar pelos sentidos e acabo guardando referências de coisas e lugares ligados a cheiros, sabores e sensações, em outras palavras, sou movida pela comida. A primeira frase que balbuciei assim , articuladamente foi "quiquita papá nenê"! Devo ter sido avestruz em alguma vida. Tenho alma de gorda.
Não é à toa que estou sempre preocupada com o que vou comer e que não seja privada de nenhum lanchinho pois fico muito irritada e aborrecida quando estou com fome. Acho que começo a digerir a mim mesma e me desconcerto.
Adoro mercados públicos, sempre que tenho oportunidade de conhecer um e explorá-lo, lá estou eu. Talvez porque meus sentidos antecedam qualquer explicação lógica para minha atração por estes lugares. Me sinto em casa e ponto . Os cheiros misturados  evocam substâncias das mais variadas. Sempre lamento que o mercado público de Bigrivertown não seja explorado adequadamente pois situa-se junto ao cais e os antigos armazéns do porto velho que emprestam uma atmosfera muito (punk)própria. Aquele cheiro de peixe misturado com grãos, frutas secas e  gordura de pastelaria é igual em qualquer mercado. Há um mix de ingredientes que destila minha primitividade. Tudo fica muito simples como aqueles perfumes da vida. Claro que isto tem a ver com certos apelos gastronômicos. Comilona que sou não dispenso um pastel de bacalhau ou o campeão de bilheteria,  recheado com carne seca.
Nestes dias que passei em Santa fiz um treinamento intensivo para tentar conseguir uma ponta como dublê de Free Willie. Trouxe dois quilos e uns quebrados na bagagem, mas muito bem adquiridos.
Em Itajaí também fui apresentada a outra delícia que só conhecia pela fama, a tapioca. Como ainda não estive no Nordeste e Norte  do país, onde a Tapioca é a top cativa, nunca havia provado o sabor desta delícia de origem indígena feita com fécula de mandioca. Provei uma preparada com leite condensado , morangos e côco. Sem comentários.
Dizem que todos os anos devemos experimentar novos sabores, portanto eu já estou com alguns acrescentados para os próximos porque tenho esta mania de cheirar e comer tudo a minha volta, como com os olhos, com as mãos e o apetite de quem quer colocar o mundo de molho nas próprias enzimas digestivas.
Viajo dentro de mim com todos os sabores e me abestalho ao perceber que as combinações e jeitos das pessoas (que chamamos de cultura) são infinitas.
Também vivi meu momento Pancho devorando burritos, tacos e guacamoles. Só de pronunciar os nomes  das comidas mexicanas já é uma borrifada de endorfina. Cheirou , comeu.
Saboreei Lichia, uma fruta de sabor único e textura suculenta sob o patrocínio de minha amiga Luisa que gentilmente congelou algumas e me presenteou. A fruta é vermelha e belíssima além de possuir propriedades antioxidantes que eu desconhecia.



Lichia bélissima antes de ser devorada!

Some-se um manjar japa regado a caipirinhas de saquê, cogumelos shitake e muitos combinados e shazan estão aí bem pesados os quilos que agora vou ter que  ralar  para me desfazer.
Diz a razão que tais reminiscências calóricas devem cair no olvido , obliterar-se enfim da minha substância.
Lembrei do  filme "Comer, rezar e amar"(que achei fraco, exceto pelo Javier Barden, é claro) no qual a Júlia Roberts se lambuza  sem culpa. Me engana que eu gosto.

beijos calóricos..

segunda-feira, 17 de janeiro de 2011

Home sweet home...

Não existe frase mais certeira do que esta, seja lá em qual paraíso esteja não há sabor que se iguale a uma volta para casa. Voltar para nossos paninhos é uma agradável sensação, um conforto , um luxo.
Esta impressão tem a duração de dois dias e , é claro, logo vem aquela inquietação percorrendo o corpo e dizendo 'já chega'!
Mas o que eu queria dizer é que é vital tirar férias de nós mesmos , nem que seja um tiquinho de tempo, sair da rotina é fundamental para manutenção da dose de sanidade que nos torna aptos a andar nas ruas.
Deixar de lado a exacerbação do ego, compartilhar, abrir mão de um comodismo e submeter-se a uma contrariedade é muito bom. Sair e voltar para o prumo, elaborar a mesma receita de outro modo, andar por trilhas diferentes, caminhar no plano inclinado, sentir muito calor e conferir o corpo dolorido e cansado ao final do dia. Cansado de se testar e disciplinar a uma nova 'rotina'. Abrir mão das certezas perenes que vão sendo despojadas a cada passo que nos distanciamos de nossa casca.
Isto tudo só para poder dizer "lar , doce lar".
Nosso corpo é o nosso lar e é muito gratificante a sensação de sentir-se inteiro em qualquer lugar, sabendo que levamos conosco nossa bagagem espiritual, moral , emocional, enfim, o que transcende a matéria. Deixemos um pouco de lado nossas 'pequenezas' acomodadas .
Esta semana marcada pela dor de pessoas que perderam tudo na tragédia que aconteceu na região serrana do Rio foi possível , duramente, entender que para começar de novo só precisamos do nosso patrimônio humano, nossos laços, amigos, valores , talento e disposição . São forças que juntas valem mais do que qualquer patrimônio material, são o único ponto de partida para qualquer lugar ou estação . Lembrando novamente o  chapeleiro do filme 'Alice no pais das maravilhas' , não podemos perder as nossas 'muitezas' porque no final é tudo o que nos resta.
Cheguei em casa com saudades de mim, queria ficar comigo por bastante tempo, ler comigo, dormir comigo , comer comigo e assistir dvds comigo. Até mesmo arrumar minhas coisas comigo  foi um prazer.
Olhar as fotos que registrei no meu guardião de memórias kodak e captar a essência de cada momento irremediavelmente  vivido, transgredindo nostalgias e simplesmente contemplando as mitológicas moiras gregas  tecendo os destinos do tempo nas rodas de seu tear.
voilá...
beijo lindo
da Lind@

quarta-feira, 12 de janeiro de 2011

Em algum lugar entre Brava Beach e o resto do mundo

Voltando para casa e digitando de um teclado de Net onde nao encontro o til e o ponto de  exclamação, logo eu que adoro interjeiçoes. Levo na bagagem uns quilos e muitos sabores novos na boca.
 beijo lindo
da Linda

domingo, 2 de janeiro de 2011

Dois caminhos-um desencontro

No telão rola um dvd ao vivo do' The Cors' e o burburinho das conversas fica abafado pela música. A porta abre e fecha com imprecisão enquanto as mais variadas espécies de buscadores a atravessam como um portal. A partir daquela linha todos se sentem autorizados a penetrar no ameaçador espaço público. Todos de alguma forma vem em busca de perigo, quem sabe tentando acordar o leão adormecido. Alguns esperam uma conversa leve e descontraída , outros filosofia de bar.As mesas dos bares são próprias para sair do trilho dos diálogos mal passados  e penetrar no recipiente sem sentido dos delírios elucidantes. Há ainda os que acreditam que pode passar a carrocinha da cinderela e claro, os que vem em busca de mais uma dose. É claro que eu estou a fim.
No balcão ela gira as  pedras mergulhadas no whisky misturado com água tentando achar onde colocar os braços e o que fazer com as mãos. Desde que abandonou os cigarros não conseguiu mais descobrir onde colocar as mãos, os copos olham para ela e viram em cima de alguém ou quebram, ou voam. A amiga , como sempre atrasada avisa que vai estar mais atrasada. Ninguém conhecido na selva!
No canto à esquerda ele, frente a uma taça de vinho tinto olhando distraidamente  a marca irlandesa da música que se agita. O pé discretamente marca o ritmo. Vira-se e olha ao redor. Ninguém conhecido na selva. Desde que abandonou os cigarros perdeu o jeito para estas azarações. Tentava reconhecer uma balada após vinte anos de um bom casamento que se transmutou em mera sociedade. Faliu. Era um peixe fora d'água, um estranho no ninho, melhor voltar para os livros e os dvds. Levantou-se num ímpeto e dirigiu-se ao balcão onde vira  bancos vazios ao lado de uma mulher aparentemente sozinha. Ela parecia um pouco tensa. Será que esperava alguém?
Sentou-se e arriscou.
Ele- Deveríamos trocar!
Ela- O quê?
Ele-O seu whisky pela minha taça de vinho.
Ela- É! Parece que a minha postura é mais agressiva..
Ele- Garçom, me traz o mesmo!
Ela-Pronto!
Ele-Então?! Algum problema eu sentar aqui?
Ela- Depende!
Ele-?
Ela- Do que vai acontecer nos próximos dez minutos.
Ele- Estou um pouco fora de forma neste jogo.
Ela- Terá que ser o personagem da minha história.
Ele- E como ele é?
Ela- Ainda não o conheço.
Ele- Hum!
Ela- Então  vamos jogar.
Ele-O que faz?
Ela - Dois caminhos para esta pergunta.
Ele-Curioso...Quais?
Ela-Um filosófico e outro prático.
 Ele- Como é o filosófico?
Ela- Chato. Ia demorar muito mais  que dez minutos.
Ele- E e  o prático ?
Ela- Dirige essa conversa para dentro do bonde da ficção de onde quero saltar.
Ele- Então?
Ela- Digamos que eu procuro Wally!
Ele- E quem é esse ?
Ela- Eu não acredito que não conheça Wally! Em que planeta vive?
Ele- Nunca ouvi falar, é algum guru da atualidade?
Ela- Não ele já passou muito da moda. É apenas uma forma de teimosia.
Ele-Saiu de algum manicômio?
Ela-Não, de um casamento!
Ele- Então somos dois.
Ela- E o que está procurando?
Ele- Não sei?!
Ela- Então acaba de conhecer Wally!
Ele está em algum lugar e você sabe que ele está lá, mas ele nunca se parece com o  que você procura.
A porta abriu-se e a amiga atrasada adentrou pela fumaça.
Ele- Risos
Ela- Escoaram nossos dez minutos. Saiu-se bem! À próxima !
Ele- Vem sempre aqui?
Ela- Talvez!
Tocou de leve o ombro do estranho e dirigiu-se a uma mesa .
Ele ficou com aquela sensação de ter pisado na bola e sentiu-se um pouco  estúpido.Olhou a mulher saindo, pagou e partiu.
Ela resistiu ao máximo um olhar para trás, mas procurou sentar-se virada para o balcão. Assistiu enquanto ele partia fingindo indiferença.
Amiga- Quem era?
Ela- Ninguém ....