quinta-feira, 10 de fevereiro de 2011

A saga de Jung: parodiando o cavaleiro inexistente

O lugar era um enorme saguão que dava impressão de não ter uma dimensão aferível. Como se um diretor de cinema desejasse colocar o indivíduo em perspectiva diante da imensidão do mundo(A VIDA). Havia alguns bancos dispostos em filas voltados para diferentes guichês(AS OPÇÕES). A maioria dos guichês vazios, se nao fossem todos . O prédio era uma construção inacabada ou pelo menos parecia(VIAGEM-ESCOLHAS). Pecava em todos os detalhes. As paredes estavam em concreto , embora escovado e o pé direito levava talvez ao céu. O piso estava inacabado e até lembrava um pouco uma ruína. Tudo era de um cinza concreto e havia uma espécie de nebulosidade dominando a atmosfera, não havia iluminação.
Havia um recepcionista que distribuia as fichas de atendimento, era um rapaz com síndrome de down que era a única coisa alegre visível a olho nu(ILUSÃO).
Bem, o que ela estava fazendo ali com uma ficha,  como quem espera atendimento em uma agência bancária , fingindo estar confortável e ensaiando uma saída. Esperava a oportunidade de deixar de existir. Sim ,deixar de existir, como o cavaleiro inexistente , personagem e título da obra de Ítalo Calvino. Um cavaleiro intenso  e em efervescência que de fato não existia .
Ela aguardava o momento de deixar de existir  por um período, talvez uma espécie de sumir de cena por uns tempos, um deixe-me em paz , um live me alone. Esta é a interpretação mais próxima do que é lógico que se pode alcançar na interpretação de um Kurosawa moment. Por outro lado mais egóico poderia ser um aviso do tipo e agora mundo? Como vai sobreviver sem mim? Eu estou caindo fora!
Enquanto aguardava começou a analisar a questão da inexistência, do sumiço e tomou-se de uma inquietude profunda. Como se comunicaria com o mundo se não mais existisse. Começou a imaginar que se aceitasse desconectar-se do mundo concreto, tornando-se um espectro intenso e vivo mas  invisível, não teria como manifestar-se. Seria intocável. Estaria de fato morta? Pensou que poderia escrever um bilhete avisando que desejava voltar a existir, mas alguém que não existe pode escrever um bilhete? Morto não fala.
A proposta da Ilha da fantasia de concreto com seu Tatoo alegre começou a desmoronar revelando seus contornos de  armadilha. Um teste.
As pequenas incursões naquele delírio geraram agora uma sensação de pânico, sentiu que estava perdendo certezas e que um não existir poderia ser de uma tristeza desoladora, lembrou do cavaleiro de Carlos Magno que na ficção de Calvino criou uma disciplina espartana e incômoda   na ânsia débil de obter um fio de existência. Era aquele momento no qual se captura um uivo silencioso e perene cortando a noite.Viver é tudo. Precisava viver , existir !
Sentiu uma fisgada na planta do pé acompanhada por um zumbido incômodo e ainda entorpecida pela voz do recepcionista sorridente 'acordou'.


****obs.: lendo as intermitências da morte antes de dormir-José Saramago.

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