domingo, 19 de dezembro de 2010

Perfeitos estranhos , estranhos amigos.

A janela da minha academia dá para um supermercado muito movimentado no final da tarde. Ficar sobre o elíptico por quarenta minutos não chega a ser uma atividade emocionante, mas na esquina do supermercado tem um trailer que vende famosos espetinhos e é junto ao vendedor de espetinhos que encontro uma das criaturas mais encantadoras que já observei. Eu só percebi isto há poucos dias quando senti sua falta.

Ele é um quadrúpede vira-latas, mas tem um charme e uma nobreza que me impressionam. Fica interagindo com as pessoas que saem do supermercado ou do trailer como se tivesse uma missão a cumprir. Por vezes sai abanando o rabo e acompanhando as pessoas enquanto se dirigem para seus carros. Na maioria das tentativas de socialização ele é totalmente ignorado, o que não faz a menor diferença. Alegria , focinho empinado e tudo é só festa.

Um dia acompanhou uma senhora idosa por quase três quarteirões, voltando algum tempo depois para o posto da esquina. É uma delícia de olhar. Fiquei pensando o que leva um bichinho a agir assim. Ele se tornou um personagem da minha história e outro dia senti uma tristeza imensa quando percebi que não o via a algum tempo.

Fiquei fantasiando se não teria sido atropelado em um dos momentos que atravessou a rua enlouquecido ou se alguém não teria dado cabo dele. Imaginei que pudesse ter passado a carrocinha e fiquei vasculhando tudo com os olhos a procura do personagem principal daquela história.

Apesar do aparente abandono o meu estranho amigo tem dono, pois usa coleira e roupa(imunda), mas seu sumiço me deixou perturbada. Eu o  chamo de Lorde.

Bem, o Lorde me faz pensar sobre a natureza das pessoas e fatalmente me levou à minha natureza porque fiquei imaginando que criaturas como Lorde não guardam ressentimentos, apenas seguem seu instinto generoso. Cada situação é nova porque não guarda juízos anteriores e , principalmente, não traz expectativas. Se ele ganhar um carinho, ótimo, se não , segue adiante e nao fica remoendo.
Eu queria ser como o Lorde, viver cada momento , tirar o máximo do melhor e simplesmente esquecer a parte que não depende de mim. Sería  parte da civilização mais nobre.
Alguns poderiam dizer que um cachorro quer comida e afagos e que usa esta política para obter aquilo que seus instintos determinam, mas o fato é que existem milhares de cachorros pelas ruas e também há lordes que andam sobre duas patas e seguem sua verdadeira natureza de afeto, doação e generosidade.
Eu tenho tentado me focar no que é  bom e descartar o que não tem remédio ou independe das novas  atitudes . Eu tenho uma mania de acreditar no melhor das pessoas e muitas vezes por isso eu recebo delas o seu melhor. Assistir enquanto o Lorde esbanja alegria me faz muito bem porque me faz conectar com as melhores coisas de mim ou com a minha parte Lorde. O Lorde é minha catarse.
Voltando ao episódio,  eu não havia percebido até então o quanto aquele cachorro ajudava a preencher aquele momento e fiquei muito chateada ao pensar que não mais o veria. No último dia que estive malhando indaguei sobre ele e  já estava determinada a ir ao local saber notícias do meu secreto amigo quando inesperadamente a luz acendeu . Lá estava ele aparecendo entre os carros com o rabo abanando , como se fosse um gerente de animação do estacionamento. Ele sequer poderia imaginar ( porque cães nem imaginam) que do outro lado da rua ele tinha uma fã aflita com sua ausência. O cenário se iluminou novamente e eu sorri por dentro.
O Lorde deu um tempo para que eu podesse sentir sua ausência e afinal valorizar uma sutileza que a vida me oferece ao final da tarde.
 Fiquei ali satisfeita por vê-lo a salvo da minha imaginação. Perfeitos estranhos, estranhos amigos.
Amizade não tem mesmo formato ou prescrição. É apenas uma força que nos aproxima, nos acolhe por afinidade , por necessidade ou susto. Não tem tamanho ou jeito, é um tipo de amor inexplicável e didático porque desperta sentidos e apresenta escolhas sempre.
Alguém já disse que a felicidade precisa ser inventada no que se tem e no que se vive, no risco do inventado, do contrário é apenas um adaptar-se ao estabelecido....

beijo lindo.....aos peludos
da Linda

Um comentário:

O Neto do Herculano disse...

Preciso inventar minha felicidade.